quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Minha primeira vez...




Minha primeira vez...

Dizem que a primeira vez a gente nunca esquece.
Eu não me esqueci da minha.
Dizem que a primeira vez nunca é boa e você faz tudo errado.


Comigo não foi diferente.

O quarto estava morno. Minhas mãos, frias. Meu coração, quente. Minha cabeça, em parafuso.
Ela estava deitada na cama como se não se importasse com o que ocorria ao seu redor.A penumbra em que nos encontrávamos era incomodamente aconchegante. A luz do sol passava em feixes pelas frestas da janela formando pequenas linhas de vida que cortavam o recinto. Dois desses feixes alisavam aquele rosto pálido e aveludado que descansava em cima de um travesseiro. O lençol a cobria até a cintura, guardando delicadamente cada centímetro de suas pernas. Apenas seu rebelde pé esquerdo repousava de forma graciosa para fora das cobertas. Me aproximei pelo lado da cama de maneira tosca. Meus braços pareciam pesar 50 kg cada. Minhas pernas tinham vida própria. Eu não coordenava meus movimentos. Meu olhar era fixo, como o de um leão prestes a atacar sua presa.

Já ela demonstrava ter total controle da situação. Um olhar vago, meio despreocupado, de certa forma até pretencioso. Focava o horizonte, fingia não me perceber ali. Por um momento nossos olhares se cruzaram. Não foi preciso dizer uma palavra. Ela precisava de mim. Eu fui.

Como qualquer iniciante, queimei a largada. Avancei com voracidade. Subi na cama me apoiando em meus joelhos. Antes que ela pudesse reagir abracei sua roupa com as mãos. Como um lobo voraz abocanhei o meio de sua camisa com os dedos. Em um único puxão, abrupto e seco, libertei seu peito daquela prisão. Ela não usava sutiã. Os bicos de seus seios me encaravam perdidos. Mal sabiam eles que estávamos juntos.

Era chegada a hora. Por 5 dias eu a massageei. O relógio contou apenas 10 minutos, mas eu sei que se passaram dias. Meus braços não se suportavam. Meus ombros estavam castigados. Ela pareceu desistir de mim. Durante todo o tempo não reagiu às minhas investidas. Eu falhei.

E assim a vida se foi, como um assovio inocente em meio a ventania...

O monitor cardíaco, que repousava ao lado da cama, registrava ZERO batimentos por minuto. Uma linha vermelha e reta cortava a tela soltando um som contínuo que teima em não sair da minha cabeça. Ele me dizia o óbvio, escancarava-me o fim. A RCP - reanimação cardiorrespiratória - ou como dizem por aí, a massagem cardíaca, não surtira efeito. As enfermeiras, que me auxiliaram, cederam-me dois tapinhas nas costas. Não há nada mais humilhante do que os malditos tapinhas de consolo nas costas. Pareciam ser tiros de misericórdia adentrando meu peito. Rasgavam-me o tronco como um chicote de um senhor de escravos.

Minha vergonha era lancinante. Ela, por outro lado, parecia não se preocupar. Desde o início mantivera aquele mesmo olhar de desapego. As enfermeiras cobriram seu rosto com o lençol. Era o fim do espetáculo. As cortinas se fecharam, e não houve sequer um aplauso.

Saí do quarto. Tirei meu jaleco. Ele estava limpo, alvo, impecável, nem parecia ter me coberto durante o pior momento da minha vida. Alguns chamam médicos de Anjos. Hoje fiz uma entrega para a morte. Naquele quarto duas pessoas tinham perdido a inocência, a diferença era que uma ainda continuava com o coração a bater. Segui torto pelo corredor do Hospital. Era hora de ir embora. Era hora de fumar um cigarro.

José Vitor Rassi Garcia

http://www.camarabrasileira.com/euv12-021.htm
(Via José Vitor Garcia)