domingo, 23 de dezembro de 2018

INFERNO









INFERNO

Nas profundezas do inferno em que ergueu-se minha solidão, mastigo com os dentes podres de minha boca aquilo que ainda resta de minha alma

A pouca poesia que habita em mim alimenta-se, tal qual um verme em minhas entranhas, de todas as dores que me permeiam as lembranças

Lúgubre, tornei-me o que mais temia: Um pobre diabo inflamado pelo rancor

Tecem meus passos tão somente o sedutor atalho para o abismo

Não há em mim nada mais que me interesse

Incendiarei minha casa antes de partir e através das chamas flamejantes observarei queimar tudo aquilo que nunca foi meu

Arrancarei minha pele para afogar-me no álcool

Furarei meus olhos antes que nasça o sol

Com meus pés descalços, por entre brasas, arrumarei minha cama de deitar

Não doarei meu ódio gratuitamente e nem gastarei tempo demais com pequenas vinganças

Toda depressão, toda tristeza, todo luto reúnem-se em mim

Arrancarei meu coração com as próprias mãos e ofertarei aos cachorros de rua

Tal qual o ladrão que visita sempre à madrugada, me farei presente por entre pesadelos

Um calafrio, um arrepio invadirá teu corpo toda vez que tua mente formular-lhe minha imagem

Nas margens dos círculos da miséria erguerei um templo de dor, onde tão somente assassinos de sonhos a entrada será permitida

Matarei meus filhos no parto

Enviarei meus pais ao exílio

Não terei pátria, muito menos destino

A fome será minha companheira

A morte deixará de existir

Todos os meus dias serão noite

E nada que você venha a fazer poderá me impedir

Estaremos juntos, eu e meu pior inimigo

Pintarei um quadro entre soluços e cólicas

Não canalizarei meu sexo noutra identidade

E assim quando encontrar-me totalmente só, sem referências, sons e ou poesia

É que poderei medir a distância da sua vida e a minha

sábado, 22 de dezembro de 2018

NOITE DE QUINTA




NOITE DE QUINTA

As ruas provincianas, com seus lares provincianos e suas famílias provincianas da pacata Vila Velha, nas noites de quinta-feira, são por demais silenciosas. Há de se sentir um cheiro esquisito a cada esquina, uma mistura de medo, mistério, beleza e morte por entre as escuras ruas da cidade.
Parto na missão de tomar uma cerveja na baixada. Um pálio maltratado, vidro fumê, farol baixo e andando bem devagar me cruza na encruza. Sigo olhando reto, peço licença ao Senhor dos Caminhos, à noite não se pode sair pra perder.

No bairro vizinho, numa rua bem iluminada, uma bela árvore e suas lindas flores amarelas expõe sua beleza à lua, que está já quase cheia. As bandeirinhas da última copa, bem desbastadas, ainda encontram-se penduradas em seu comprimento. Cruzo a avenida, entro num bar em Jardim Colorado, apelidado mui maldosamente como "Bar da Sapatão". Ela e sua companheira atendem de forma simples, mas honesta, alguns apreciadores de "porcarina" se aportam por esse estabelecimento. Compro um maço de gift, acendo um cigarro e vaso fora dali.

Corto Vila Nova até chegar à praça de Santa Mônica Popular, onde encontra-se um grande campo de grama sintética, a praça é ampla, bem frequentada durante o dia, mas com um estranho e pequeno movimento nesta noite de quinta: "Será que mataram alguém?" - logo penso. Em uma das esquinas da praça está o inusitado "Bar Titanic", que carrega este nome, para além de remeter ao famoso navio, pois tal "homenagem" associa-se a uma característica arquitetônica do prédio onde se encontra: A lateral do bar está literalmente afundando!. Estaciono em uma das mesas, do lado de fora sempre, o garçom é um cara gente boa, interado, a música é boa, rola uma sessão de rock internacional e funk americano dos fins dos 70 / início dos 80. Elogio o som e o garçom me diz que no meio da semana existe essa possibilidade, pois, segundo ele, nos fins de semana é o sertanejo bregão que comanda. Manifestamos o acordo de que a trilha sonora de quinta é uma tortura chinesa a menos, fico pensando nos pobres vendedores de lojas de eletrodomésticos, deveriam receber insalubridade.

Virando a esquina, meu parceiro Tiaguim com sua bike velha, o interpelo, e ele me diz que estava indo pra casa. O convido a sentar e dividir uma breja, meu plano de beber sozinho foi quebrado, ele aceita, encosta a bike e senta. Tiaguim é um cara bacana, sempre pra cima, um bom músico que se sustenta com seu artesanato nas praças e feiras - nada mais capixaba!. A base do seu artesanato consiste em uma bicicletinha feita com cabos reciclados, bastante apreciada pelos turistas e frequentadores dos espaços em geral, além de ser um bonito porta-retratos. Geralmente quando vou expor meu acervo de livros usados na praça de Gaivotas Tiago está por lá, aliás é um ponto que ele conquistou na marra, já há algum tempo. Nem sempre você é muito querido trabalhando nas ruas, principalmente em se tratando de dois, pretos como nós.

A conversa vai se dando por trivialidades do dia-a-dia, Tiago me conta que expôs nesta quinta na Praia da Costa, o calçadão dos bacanas da cidade e onde o povo em geral vai dar um rolê maneiro com a família nas noites do verão canela verde. O movimento estava fraco, ele diz, e conta também que na quarta teria sido melhor, parece que por causa da nobre visita do papai noel - "tradição esquisita essa nossa" - eu penso. 

Logo na sequência, como todo bar de perifa, as mesas começam a dialogar entre si. Um maluco com uma cara esquisita, senta bem próximo a nós, tem cara de cana: novo, camisa pólo, calça. Acho esquisito. Depois interagindo descubro que na verdade é o contrário: É bandido. Inevitavelmente a conversa vai parar em política. O maluco esquisito é Bolsonaro, eu sou eu, Tiago não é de se aprofundar, mas sua tendência é de esquerda, o garçom bem antenado não é de fazer concessões, é perspicaz e bem informado. No decorrer da discussão, lá da ponta direita, em uma mesa com duas loiras sentadas tomando uma breja, uma delas grita, aliás a mais gata: "Eu adoraria ir pra Cuba!". Eu penso: "Ufa, minha noite está salva!". 

A conversa segue animada, agora eu diria ainda mais. O bolsominion se cala, percebeu que além de desinformado é minoria. Fora do campo virtual eles costumam abaixar a bola já no terceiro corte. A mina é bacana, gente boa, rua e filiada ao PC do B, eu quase me apaixono. Sua amiga é um pouco mais velha, pela casa dos 40, porém também bonita e gente boa, já de cara nos informa que é lésbica. Vou ao banheiro, aliás a mijada mais arriscada da minha vida, vai que essa porra desaba? Quando retorno as loiras convidam a mim, a Tiago e a um outro parceiro que tinha colado ali com a gente para juntarmos as mesas. Elas são realmente bacanas, butequeiras, a conversa fica cruzada, a loira mais gata diz que não é feminista, pergunto sobre Manuela D'Ávila, ela diz que a admira muito e começa a elogiar vários aspectos da personalidade e da luta política de Manuela, de como ela concilia bem sua luta com a maternidade, o que para mim me soa bastante feminista da parte dela. Passo a interagir mais com a lésbica, a loira gata comunista fala bastante, em alguns momentos um pouco autoritária, nada grave, dou um corte de leve. O dono do bar resolve nos expulsar e resolvemos caçar outro buteco. Os malucos da mesa ao lado, que tentavam também interagir com as loiras, porém mais na conversa fiada com vistas à maldade, se levantam e resolvem ir com a gente. Eles estão de carro, convidam as loiras, elas resolvem ir a pé com a gente, ganharam meu respeito. Mas no caminho pro bar uma cena meio louca por parte delas: As minas ao começar a caminhar com a gente passam a xingar de longe o bolsominion. Parece que o cara tentou roubar o celular de uma delas, porém ela conseguiu recuperar o aparelho que tinha esquecido no carro dele quando saíram com amigos em comum. Tiago vai à frente de bike pra ver se um determinado buteco está aberto, o parceiro que está com a gente fica aguardando com a loira, eu e sua amiga lésbica andamos em direção a Tiago - começo a perceber que a lésbica não é tão lésbica assim. Bar fechado, a gente segue para o famoso "Bar Escritório", indicação da loira gata mais nova.
No caminho, vejam só que maravilha, uma dor de barriga filha da puta desata de uma hora pra outra e a porra do bar tá muito distante. Dou um quebra de asa na galera e encontro um terreno baldio com uma bananeira, estou salvo!

Chegando no bar, vou ao banheiro lavar as mãos e na volta percebo que apesar das minas serem maneiras, já tinha gasto uma grana boa no titanic e a cerveja no escritório não é muito barata não. Enquanto no Titanic o litrão de brahma é 8,50 no escritório uma verdinha é 12 conto 600 ml, bar de playba, e aliás só tinha playba no bar, de vez em quando alguns marombeiros resolvem se beijar por lá. Tiaguim deu um migué e saiu fora, nem deu idéia as loiras, pediu pra eu deixar um abraço. Eu apesar da conversa bacana das minas, não tava a fim de sentar no bar dos playba com os parceiros que foram de carro, que estavam é na fissura pra cima das minas. E eu ali com grana curta no meio do rolê com essa galera, pois como diz Mestre Eduardão, malandragem fonsequiana da Mesquita Neto no Santão: "Homem duro fede e reza pra chover!!". Declaro as minas a minha falência, elas pedem que eu fique, sugerem segurar a bronca: "Um dia é você no outro sou eu" - mal sabem elas que todo dia sou sempre eu. Eu também não estava na vibe de entrar nessa bola dividida, agradeço e meto o pé na caminhada fresca pela madrugada.

Mas não saio com o rabo entre as pernas não, a loira gata me deu seu número, pediu pra eu ligar pra marcarmos outro rolê. Fora também que pelo início da conversa no bar lá atrás os caras vão ficar é no zero a zero, as minas são firmeza, o caô ali tem que ser forte. Será que é meu número?

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

CARTA AOS NASCIDOS APÓS 1990


CARTA AOS NASCIDOS APÓS 1990

Em primeiro lugar é indescritível o estado de euforia geral em relação a copa de 1994, pra minha geração não há comparativos na história.

Sou nascido na década de 80, mais precisamente em junho de 1980, geminiano e macaco no horóscopo chinês.

O que me move escrever esta carta é talvez um sentimento de apreensão quanto ao futuro, como também uma esperança de que talvez a minha reflexão, relativa às minhas escolhas pessoais no transcorrer da vida, possa inspirar-lhes quanto as escolhas que tomarão em suas vidas nos próximos anos.

O processo de maturação para o pobre médio, que ainda possui família e tem uma pequena e frágil estrutura, prolongou-se com o passar das gerações.

Observo que é cada vez mais comum ver a não hesitação em sair de perto do ninho. Mas lhes afirmo que quanto mais apostarem em sua autonomia, melhor o futuro se desenhará a sua frente.

Porém autonomia não significa tapar os ouvidos para aqueles que te amam (quando amam) e sim explorar a sua intuição, não desqualificar o acaso, atentar-se às decisões que possam vir a influenciar toda uma vida, como a vida de outras pessoas também que possam vir a depender de você.

Se eu refletisse melhor sobre estes termos não teria permitido ser jubilado em duas universidades públicas, aliás, não teria escolhido uma graduação em filosofia - pobreza material e estudo em filosofia não combinam, pode levar fé nisso!!

Penso que também teria lido mais, apesar de ser um leitor mediano pra ruim, lendo muito mais que a média brasileira, que está muito abaixo da média mundial, aliás, brasileiro não gosta de livros, foi doutrinado a odiá-los, pois senão a biblioteca não seria lugar de castigo.

Leia, leia tudo que puder, mas leia principalmente os clássicos. Se você pensar que lendo um clássico de Jack London por exemplo, ou Machado de Assis, você estará permitindo que a voz de um gênio, que viveu a mais de um século antes que você, fale aos seus ouvidos.

Ler um clássico não é nada mais que viajar no tempo para conversar com um gênio.

Mas ler requer disciplina, também diria método. Particularmente não leio um livro que não me agrada. 

Caso tenha dificuldades para tornar a leitura um hábito, leia uma página por dia e vá aumentando gradativamente. Explore os momentos de folga para o exercício da leitura.

Demorei 23 anos para voltar e reler o Guarani.  Com 15 anos era uma tortura lê-lo, com 38 um orgasmo.

Falando em orgasmo, vivemos em uma sociedade altamente hedonista, egoísta, dissimulada - não tenha dúvidas disso - fale menos e escute mais, observe, tente não hesitar e principalmente guarde as questões mais graves de sua biografia para você.

Um outro detalhe importante: O prazer não o leva à felicidade!

Há 10 anos atrás, exatamente 10 anos atrás, no mês de Dezembro, eu morri. Tudo o que eu era, o que eu acreditava morreu comigo e fui obrigado a renascer, pois parafraseando e ironizando o filósofo alemão, "O que te mata te faz renascer" (7L).

Morremos todas as noites e renascemos ao acordar, mas aquele Dezembro de 2008 minha morte foi mais profunda e me vi dentre a um inferno levado por minha ignorância, ou seja, na assepsia da palavra, o ato de ignorar.

Não ignore a realidade, ela cobra um preço alto pela sua existência, e seja para quem for, um dia o boleto chega, a conta pode ser alta ou mediana, está em suas mãos.

Hoje, necessariamente sinto que morro outra vez. Morrem minha ilusões e definitivamente minha fé e esperança na humanidade. Os raros exemplos que existem são fruto de pessoas iluminadas, mas fogem totalmente à regra - o ser humano é sádico, esquizofrênico e pode tornar-se muito mal para defender seus interesses, e nisso independe quem seja.

Mas morrendo hoje não me encaro em luto, também não me sinto até mais forte ao renascer e sim vivo, talvez pelo fato de que a nossa maior fraqueza se sustente onde alimentamos nossas ilusões.

Mais uma reflexão: Tire o coração da dianteira, alguém vai ferir-lhe gravemente caso mantenha essa perspectiva em sua vida. Viver não é fácil, dói, alegra, engrandece, apequena, derruba, levanta.

É um experimento fantástico, antes que nos chegue o silêncio mineral.

Essa carta é meio que uma despedida de mim mesmo, sem grandes pretensões.

E para encerrar essa carta, que simboliza um afago, um abraço, uma estima para que sejam fortes, pois vocês vão precisar, deixo algumas sugestões de leituras, talvez possam vir a ser úteis num futuro não muito distante.

Sidarta, O Lobo da estepe, Demian, o Jogo das contas de vidro - Herman Hesse

Tudo de José de Alencar e Machado de Assis, mas sobre Alencar sugiro uma atenção especial a O Guarani, Iracema, Ubirajara, Senhora, Lucíola. Já Machado é tudo mesmo, sem qualquer sugestão mais útil que essa.

O chamado da floresta, Paixão pelo socialismo - entre vagões e vagabundos - Jack London

1984, A revolução dos bichos, Admirável Mundo Novo - George Orwell

Assim falou Zaratustra, O Anti-cristo - Nietzche

A idade da razão, A náusea - Sartre

O Mito de Sísifo - Alberto Camus

2001 Uma Odisséia no espaço - Arthur C. Clarke 


Tudo que é sólido se desmancha no ar - Uma aventura na modernidade - Marshall Berman   


Poderia indicar uns filmes e discos também, mas na moral??? Se virem!!!rs


Saludo!

Luíz Emmanuel Pinto

sábado, 15 de dezembro de 2018

MÁGOAS DE AÇO


MÁGOAS DE AÇO
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É pino, é pedra, é o fim do caminho
A vida é um soco, apanho sozinho
E com caco de vidro me assaltam ao sol
Mas de noite me prendem ao portar pinho sol
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É veneno no campo, é roubo de madeira
Desmatar, sangrera, gosto de pau-pereira
Madeira de reserva, monocultura na beira
É um esquema profundo, de supremo à empreiteira
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Quem prende tá roubando, só aumenta a cegueira
Superfatura no pão e ao comprar petroleira
É a chuva sumindo ou transbordando ribeira
Entupindo o bueiro com lixo da rabeira
Sem pé, sem chão, viver não é bobeira
O povo tá nas mãos de ladrões de primeira
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Tiros cortam o céu, nas paredes, no chão
Meninos de uniforme, guarda-chuva nas mãos
É o fundo do poço, é o fim do caminho
Na presidência o desgosto, cabeça-passarinho
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Me estrepe, seu prego, perdemos o trem no ponto
De ser país do futuro, agora to sem um conto
É o ladrão ladrando, é o capeta pregando
Não tem luz da manhã pra quem tá se afogando
É emprego sumindo, é o fim da picada
Se matar de cachaça, o melhor na quebrada
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Moradores sem casa, papelão vira cama
Crack é seu rivoltril, tá na lama, tá na lama
É um salto, é uma ponte, suicídio ou divâ?
É um cacto no palco, tanta beleza vã
São as mágoas de aço abrindo o verão
É matar-se da vida sempre à prestação
.
É um nazi, é um monstro, estuprando a fé
O pobre de direita dando tiro no pé
São as mágoas de aço abrindo o verão
É matar-se da vida sempre à prestação
.
É pino, é pedra, é o fim do caminho
A vida é um soco, apanho sozinho
É um salto, é uma ponte, suicídio ou divâ?
Morte em nosso horizonte, o demônio e seu clã
São as mágoas de aço abrindo o verão
É matar-se da vida sempre à prestação
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Emmanuel 7Linhas
15.12.18