domingo, 7 de outubro de 2018

O PLEITO EM MEU PEITO

Eleição em meu bairro é tempo de ver homens velhos barbudos que há muito não se veem, se abraçando, apresentando as crias, falando dos velhos tempos, da época de pipa, do carrinho de rolimã, do furingo na ladeira. Época de encontrar velhos amigos que de uma forma meio que intuitiva manteem o domicílio eleitoral próximo ao bairro onde cresceu. Dia de eleição é o dia dos crias, de passar a limpo rapidamente a saudade (ou o constrangimento) em rever quem a muito deixou o bairro dos pais pra cuidar da própria vida. É tempo de ver aquele senhorio de mãos dadas com sua senhora, muitos levando filhos já crescidos e os netos a tira-colo.
É meio que um carnaval fora de época, mas no dichavo, pq tem sempre aquela mística de lei seca que de seca mesmo não tem nada, acho que em dia de eleição os bares até vendem mais, muitos de porta semi-aberta, com a rapaziada das antigas reunida, botando o papo em dia, falando do mercado da boca de urna, quem pagou tanto, quem pagou menos, o candidato tal deu tanto mas nele não voto nem a pau.
Toda a beleza e todo o caos da manada humana que se organiza e se manifesta para o exercício cívico de escolher o candidato preferido, tipo concurso de mis, concurso de popularidade, quem é o mais chegado, o deputado candidato irmão do primo do meu sobrinho fulano de tal. Mas também nas entrelinhas dos sorrisos, do ato antropofágico há a brevidade da vida, a depressão pelo princípio da eficácia não assimilado, as contradições em fratura exposta colocadas nos dedos que apertam botões como se espremessem rosas para cultivar espinhos.
Todo pleito para mim tem sabor à deriva, análitico, existencial e não diria pessimista, mas como um passante náufrago neste formigueiro, como diria Mestre Iran "contabilizando grãos de areia", um andarilho a observar o quão grande é o percurso em direção ao estado de bem estar social de nosso lindo país, de enormes riquezas naturais e que talvez por tanta abundância seja amado de maneira tão sem esméro.
O pleito de hoje é sem dúvidas especial, o encontro das hiper-bolhas direcionadas como gado ao abate pelos senhores google e facebook, onde essa marcha fúnebre fedendo a enxofre, até pelo fato de ter recebido a notícia por ontem de mais um amigo que se suicidou, tira cada vez mais o véu da ingenuidade catequizada acerca do animal político de Aristóteles, perante o organismo social e suas vestes de ignorância à dor alheia.
No apertar dos botões casamentos serão rompidos, creches deixarão de existir, aquela sobrinha estudiosa teria uma brilhante carreira na engenharia. Na combinação de números, como num jogo de armar, a arapuca se fecha sobre nós, creches deixam de ser construídas, hospitais reformados, fortunas se erguem e na encruzilhada da vida, no emaranhado de possibilidades, caminhos tortuosos nos levam a rotas inesperadas - e sempre assim serão.
No caminho das incertezas socráticas, a inveja do percurso da história, feito a um milênio de vantagem, que queimou fases de barbárie, construiu progresso mas que inevitavelmente, como é da vida, também terá os seus problemas.
Só penso que tudo poderia ser mais fácil...poderia...deveria.

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