terça-feira, 18 de dezembro de 2018

CARTA AOS NASCIDOS APÓS 1990


CARTA AOS NASCIDOS APÓS 1990

Em primeiro lugar é indescritível o estado de euforia geral em relação a copa de 1994, pra minha geração não há comparativos na história.

Sou nascido na década de 80, mais precisamente em junho de 1980, geminiano e macaco no horóscopo chinês.

O que me move escrever esta carta é talvez um sentimento de apreensão quanto ao futuro, como também uma esperança de que talvez a minha reflexão, relativa às minhas escolhas pessoais no transcorrer da vida, possa inspirar-lhes quanto as escolhas que tomarão em suas vidas nos próximos anos.

O processo de maturação para o pobre médio, que ainda possui família e tem uma pequena e frágil estrutura, prolongou-se com o passar das gerações.

Observo que é cada vez mais comum ver a não hesitação em sair de perto do ninho. Mas lhes afirmo que quanto mais apostarem em sua autonomia, melhor o futuro se desenhará a sua frente.

Porém autonomia não significa tapar os ouvidos para aqueles que te amam (quando amam) e sim explorar a sua intuição, não desqualificar o acaso, atentar-se às decisões que possam vir a influenciar toda uma vida, como a vida de outras pessoas também que possam vir a depender de você.

Se eu refletisse melhor sobre estes termos não teria permitido ser jubilado em duas universidades públicas, aliás, não teria escolhido uma graduação em filosofia - pobreza material e estudo em filosofia não combinam, pode levar fé nisso!!

Penso que também teria lido mais, apesar de ser um leitor mediano pra ruim, lendo muito mais que a média brasileira, que está muito abaixo da média mundial, aliás, brasileiro não gosta de livros, foi doutrinado a odiá-los, pois senão a biblioteca não seria lugar de castigo.

Leia, leia tudo que puder, mas leia principalmente os clássicos. Se você pensar que lendo um clássico de Jack London por exemplo, ou Machado de Assis, você estará permitindo que a voz de um gênio, que viveu a mais de um século antes que você, fale aos seus ouvidos.

Ler um clássico não é nada mais que viajar no tempo para conversar com um gênio.

Mas ler requer disciplina, também diria método. Particularmente não leio um livro que não me agrada. 

Caso tenha dificuldades para tornar a leitura um hábito, leia uma página por dia e vá aumentando gradativamente. Explore os momentos de folga para o exercício da leitura.

Demorei 23 anos para voltar e reler o Guarani.  Com 15 anos era uma tortura lê-lo, com 38 um orgasmo.

Falando em orgasmo, vivemos em uma sociedade altamente hedonista, egoísta, dissimulada - não tenha dúvidas disso - fale menos e escute mais, observe, tente não hesitar e principalmente guarde as questões mais graves de sua biografia para você.

Um outro detalhe importante: O prazer não o leva à felicidade!

Há 10 anos atrás, exatamente 10 anos atrás, no mês de Dezembro, eu morri. Tudo o que eu era, o que eu acreditava morreu comigo e fui obrigado a renascer, pois parafraseando e ironizando o filósofo alemão, "O que te mata te faz renascer" (7L).

Morremos todas as noites e renascemos ao acordar, mas aquele Dezembro de 2008 minha morte foi mais profunda e me vi dentre a um inferno levado por minha ignorância, ou seja, na assepsia da palavra, o ato de ignorar.

Não ignore a realidade, ela cobra um preço alto pela sua existência, e seja para quem for, um dia o boleto chega, a conta pode ser alta ou mediana, está em suas mãos.

Hoje, necessariamente sinto que morro outra vez. Morrem minha ilusões e definitivamente minha fé e esperança na humanidade. Os raros exemplos que existem são fruto de pessoas iluminadas, mas fogem totalmente à regra - o ser humano é sádico, esquizofrênico e pode tornar-se muito mal para defender seus interesses, e nisso independe quem seja.

Mas morrendo hoje não me encaro em luto, também não me sinto até mais forte ao renascer e sim vivo, talvez pelo fato de que a nossa maior fraqueza se sustente onde alimentamos nossas ilusões.

Mais uma reflexão: Tire o coração da dianteira, alguém vai ferir-lhe gravemente caso mantenha essa perspectiva em sua vida. Viver não é fácil, dói, alegra, engrandece, apequena, derruba, levanta.

É um experimento fantástico, antes que nos chegue o silêncio mineral.

Essa carta é meio que uma despedida de mim mesmo, sem grandes pretensões.

E para encerrar essa carta, que simboliza um afago, um abraço, uma estima para que sejam fortes, pois vocês vão precisar, deixo algumas sugestões de leituras, talvez possam vir a ser úteis num futuro não muito distante.

Sidarta, O Lobo da estepe, Demian, o Jogo das contas de vidro - Herman Hesse

Tudo de José de Alencar e Machado de Assis, mas sobre Alencar sugiro uma atenção especial a O Guarani, Iracema, Ubirajara, Senhora, Lucíola. Já Machado é tudo mesmo, sem qualquer sugestão mais útil que essa.

O chamado da floresta, Paixão pelo socialismo - entre vagões e vagabundos - Jack London

1984, A revolução dos bichos, Admirável Mundo Novo - George Orwell

Assim falou Zaratustra, O Anti-cristo - Nietzche

A idade da razão, A náusea - Sartre

O Mito de Sísifo - Alberto Camus

2001 Uma Odisséia no espaço - Arthur C. Clarke 


Tudo que é sólido se desmancha no ar - Uma aventura na modernidade - Marshall Berman   


Poderia indicar uns filmes e discos também, mas na moral??? Se virem!!!rs


Saludo!

Luíz Emmanuel Pinto

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