segunda-feira, 25 de julho de 2011

DIÁRIO DE UM CAPACHO ELEITORAL


“...Enquanto limitados à percepção das coisas, parecemos homens em uma caverna escura, atados de maneira tal que impossibilite mesmo os movimentos de cabeça, e que nada vissem além de silhuetas de coisas reais projetadas em uma parede à sua frente pela luz de um fogo aceso por trás de suas costas...”

A hipocrisia brasiliana diz-nos: não vendam seus votos, o voto é seu direito e patati patata...
Pois bem, digo ao contrário, o voto é instrumento de poder e o processo eleitoral é o momento da transferência, é quando assinamos um cheque em branco e o entregamos ao nosso representante formal do campo político institucional – e com isso  deve-se sim é vende-lo e não dá-lo,  pelo valor mais alto a que se possa obter – cidadania é um preço por demais alto e justo, educação de qualidade, saúde, lisura e transparência nos processos políticos, coerência e vergonha na cara são questões interessantes, responsabilidade fiscal, e pra não achar que todo mundo é só bandido, é bom  também exigir eficiencia de vez em quando.
Semana passada, eu que sou um sádico por demais interessado em experiências polêmicas onde no final pelo menos um sarro eu possa vir a tirar (ou ser de mim tirado), me envolvi no processo de campanha de uma candidata a de-putada federal do grupo do show man de deus me livre, senador amálgamo que mal-tra-ta,  todos contra a zoofilia, onde tive contato com a profissional estrutura neo-pentecostal de captação de recursos, virei operador de marketing político, o vulgo baixa-renda, distribuidor de santinhos e balançador de bandeira, fora a necessária subordinação a Pastores, louvores, marmitas amassadas, e 20 reais o dia por uma jornada que em alguns casos ultrapassam dez horas diárias de trabalho.
Juntei-me a esposas de presidiários, desempregados, desesperados e o mais diverso tipo de mão de obra barata e explorável que se encontravam no templo da fé monetária, e o pior é encontrar gente pelo caminho em situação mais dramática que a nossa, pedindo ajuda e desejando um lugar ao seu lado nessa excelente empreitada.
Pra quem conhece o tipo de serviço a questão é básica: o grupo começa com 2, 3 ou mais coordenadores e uns 60 orelhas secas. No outro dia, depois da reunião inicial onde o candidato se apresenta, onde é dita a estratégia para a eleição, o modelo do trabalho e principalmente o quanto cada um vai ganhar com isso tudo, só ficam em média uns 20 desesperados, que com certeza vão se perdendo no decorrer da campanha.
O Clima é de academia, o pastor com seus anéis de ouro nos dedos, carro velho pra disfarçar um pouco o esquema e um regime quase que militar para explorar seu tempo e se bobear, leva-lo pro culto depois do trabalho pra ver se sua alma ainda vem de lambuja. Logo de cara já declarei que era macumbeiro pra encerrar essa questão, citei tio Max Webber e sua ética protestante e o espírito do capitalismo pra que esses semi-analfabetos teológicos pisassem de mansinho na hora de vir tirar onda: “Botar com areia não coração”.
Na equipe o bom humor reinava, o clima era meio da escola nordestina de realidade hiper-problemática, todos ríamos da nossa “própria desgraça”, em sua grande maioria mulheres, algumas com formação secundária, outras nem tanto, mas percebe-se que o problema não estava na formação e sim no direcionamento para o mercado de trabalho, muitos acreditavam que com o candidato ganhando eles seriam ajudados e teriam um emprego, o que todos nós sabemos que é a maior lorota que um bandido eleitoral recorrentemente gosta de contar.
De certa forma, me envolvi afetivamente com parte do grupo e com o drama de cada um, com o tempo você acaba descobrindo o porque que cada um foi parar nakela situação, tipo filme roliudiano de cadeia gringa,  porém eu sempre tentava depositar alguma esperança nakeles e no meu coração: “vai brilhar gente, uma hora vai brilhar”, da mesma forma pelo qual muito apreendi e a mim muito me foi depositado em vivência e experiência de semi-vida, a velha roda da fortuna nunca nos engana,  hoje pavão, amanhã espanador, e enquanto espanávamos panfletos pelas ruas e caixas de correio a fora, todos se mantinham pensativos sobre a enorme quantia de 300 reais a ser recebida no final da quinzena.
Sinistro também era trabalhar nas feiras livres, se eu fosse feirante mandava matar candidato, peruinhas, lixo, bandeiras, gente pertubando, a feira virava inferno em poucos minutos e assim permanecia por horas, de legal ali só a especulação sobre o mercado internacional de agitação de bandeira de candidato, quanto cada um tava pagando e sobre quais condições, e a partir disso via-se até que tinha muita gente pior que a gente, trabalhando por um salário mínimo por mês, 10 horas por dia, só com almoço, sem água, sem descanso, sem respeito, sem quaisquer considerações acerca da dignidade de qualquer trabalhador ou trabalhadora, e com isso me perguntava onde se encontra o estado, o tribunal regional eleitoral, o ministério do trabalho, a imprensa, a sociedade civil organizada, a ética, a piedade sobre essa gente sofrida.
Meus 3 dias de trabalho como agente operacional de marketing político – vulgo baixa renda capacho eleitoral, me foram por demais interessantes, vi que por um pequeno erro de cálculo, azar, sorte, falta de maturidade, orientação, você pode tornar-se desde um candidato caixa dois, lavador de grana pra bandidagem eleitoral, a um mero capacho panfletista sem um real no bolso, sendo humilhado, escurraçado e depositando todas as suas esperanças no Deus Cristão Materialista, inventado pelos Edir Macedos da vida, dentro de um envelopinho de ofertas, onde não cabem sonhos nem moedas, só notas, e por favor de 20 pra cima.
Ah sim, a última que ouvi: um candidato aqui em vila velha ta pagando melhor que todos, 30 reais o dia, uma marmita e uma pedra de 10...mas é servidona mano...


Emmanuel 7 Linhas
Arremessador de panfletos em latas de lixo e coreógrafo de bandeirolas humanas de semáforo
Emmanuel Sete Linhas

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