terça-feira, 12 de julho de 2011

O CRACK E A MODERNIDADE

Tenho o Prazer de Publicar a Excelente reflexão de meu AmigoMestreFilósofoProfessor Sérgio Fonseca sobre uma questão circular, intrigante e redundante de nossa sociedade "y". Saravá!!!



por Sérgio Fonseca


O crack é a droga da crise da modernidade. Diferentemente da maconha, que produz um efeito reflexivo num ritmo lento e calmo do corpo e do cérebro, o crack acelera os batimentos cardíacos, paralisa o sentimento de medo e impotência, e converte o usuário, durante o tempo de efeito da droga, num super-homem. Ele potencializa tudo aquilo que nós, velhos modernos, gostaríamos de ser: sentimentalmente duros, fisicamente imbatíveis, e intelectualmente indiferentes às susceptibilidades, "pobres" e sensíveis, da natureza.

O crack estimula o indivíduo a ultrapassar a linha que demarca a convivência social. Os limites assim ultrapassados, obviamente, trazem de volta a era da selvageria. Ironicamente, a droga do fim da modernidade é a atualização de nosso caráter agressivo e bárbaro. Filosoficamente, por que o crack é tão sedutor?

De uma forma ou de outra, nós modernos gostamos da falsa sensação de sermos mais do que seres naturais. Na religião, inventamos a ideia de que somos feitos de um material diferente dos seres naturais: seríamos espírito. Na ciência, inventamos um troço chamado tecnologia que nos capacita para além de nossas limitações diárias do corpo. O carro moderno, com o vidro suspendido, o ambiente climatizado interno, a velocidade suave, a individualidade protegida diante do incômodo do restante dos mortais, o carro é o casulo da
morada moderna do indivíduo hipervalorizado.
A hipertrofia do indivíduo depende, todavia, de algo mais para se manter, ainda que tal estado de sensação do corpo não seja propriamente real. Novamente, a religião está aí para nos proteger dos riscos de um mundo real. Como modernos, temos dificuldade em aceitar unguentos metafísicos para a angústia do nada que somos. Ou entramos no portal da religião, e novamente reforçamos a nossa impotência pois temos que nos prostrar diante de uma divindade; ou buscamos outra saída. Não estamos, todavia, enxergando nada fora daquilo que a modernidade nos disponibilizou: a possibilidade de turbinar o corpo como auto-sensação de potência e força.





As conseqüências reais da vida moderna não nos deixam esquecer que somos mortais e frágeis, isto é, naturais como tudo o que há no mundo. A fragilidade do corpo nos torna precários. A indeterminação da vida, nos torna impotentes. Todavia, a palavra de ordem da modernidade é retomar o controle da vida, logo, sustar o destino e o acaso, e fazer do corpo, via técnica e ciência, algo mais do que tecido disponível do mundo orgânico.

A ciência moderna naufragou em suas inúmeras tentativas de ser um sucedâneo para a religião. Logo, ela produz técnicas maravilhosas, artefatos engenhosos, instrumentos sofisticados, mas nada que nos faça fortes diante da precariedade da vida. Restam a religião, os alucinógenos, os fármacos e o crack.

O malogro da técnica e da ciência em dar sentido e valor a nossas vidas é a queda da modernidade. Nesta crise estamos agora como num deserto, não há valores que possam nos guiar. É o tempo do niilismo tout court, o terreno fértil para o crack. Os usuários não são vítimas da droga, mas vítimas de um tempo sem espírito que, todavia, nós próprios buscamos. E mesmo aqueles que não são usuários estão neste tempo. Para onde olhamos, vemos a queda do homem no abismo, no vazio, na ruína. E mesmo o dinheiro e o poder se mostram parecidos, em seus efeitos.

Todavia, não conseguiremos voltar às crenças passadas porque a iconoclastia é irrevogável. Os deuses se exilaram É o cheque-mate no indivíduo moderno derrotado. Para aonde vamos? O aumento do consumo do crack está indicando o retorno ao estado da selvageria e da barbárie.

Sergio Fonseca é historiador.




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