quinta-feira, 6 de novembro de 2014

VEM PRA RUA: A MICARETA POLÍTICA DE UMA ALMA DESARMADA









Em contraste ao estigma pseudo-midiático de que o Brasil é um país pacífico, de um povo alienado politicamente, estático e acéfalo, gosto da constatação do Professor Boaventura Souza Santos  que além de cravar o conceito de recepção versus a epígrafe da alienação, afirmou que o Brasil é um país de atividade política popular intensa - vide os inúmeros movimentos sociais dispostos por todo o território brasileiro.


No transcorrer de toda a estória de formação do país Brasil, os confrontos entre a população insatisfeita, grupos separatistas, guerrilhas, quilombos, bolhas pós-modernas de combate social, hackers, punks e insurgentes contra o estado oficial, é dado e fato estórico. Na base de nosso povo está a diversidade,  tanto de opiniões quanto de origens, perspectivas, mas sempre atrelados a uma miscigenia congruente onde o contraste não é execrado ou ignorado, é o composto de todo dia-a-dia de quaisquer brasileir@s.


Caras pintadas, pró-cotas, anonymus, pastorais da criança, pré-universitários alternativos, grafiteiros, grupos de capoeira, igrejas evangélicas que distribuem comida nas madrugadas frias dos postos de saúde, casas de Umbanda que recolhem roupas e alimentos para os mais necessitados - onde está essa apatia política tão conclamada acerca do povo brasileiro???


Minha formação política na década de 90 passou por grupo de jovens católicos, movimento hip-hop, pré-universitário alternativo voluntário, movimento sindical, movimento estudantil, violão e fogueira ao som de legião urbana, cazuza e mais a frente, O Rappa, Rage Against the Machine, Chico Science e Nação Zumbi. Existia uma aura de transformação acerca dakela geração, um presidente operário foi posto no poder, um desejo de mudança imperava a todas e todos, enfim, boa parte de nós "urbanistas" alcançamos a "crasse mérdia", o acesso a bens de consumo, cartão de crédito, universidade pública, carros parcelados. E onde foi que nós chegamos com tudo isso???


Observo com muito orgulho minha guria de 14 anos querer ir para rua nas atuais manifestações, pois,  segundo ela "o que eu vou dizer pro meu filho mais a frente, que eu não estava lá?", e vejo que antes de dizer que isso tudo não vai dar em nada, antes de chamar essa gurizada de emo, de caretas, de micareteiros, temos que observar que o Brasil é o país dos encontros, de etnias, povos, gerações, desejos, preconceitos, perspectivas, sonhos. O transporte coletivo das metrópoles brasileiras reflete muito do que não queremos enquanto sociedade: um lugar abatalhoado de gente imprensada e solitária, olhos perdidos e cansados, um gosto de "sem direito", um véu de navio negreiro, gélido, individualista, tanto quanto o menino Thor e sua mc laren possante, isolado, sem amigos baratos...


A geração Y, tão criticada por seu isolamento socio-virtual, seus games e memes, sua alienação política ( o que chamaria de descrença) coloca na cidade de vitorinha, capital do Espírito Santo, um dos estados mais conservadores e beligerantes do Brasil, cem mil pessoas em uma manifestação dita "sem liderança", a-partidária, cobrando mais do que 20 centavos, cobrando visibilidade, responsabilidade, profundidade e principalmente, reconhecimento e diálogo.


O Cantor Marcelo Falcão, ícone político dos jovens pós renato russo de minha geração, após o estardalhaço do jingle midiático para uma propaganda de carro implodir um sentimento contagiante, que mistura carnaval (lembrando que o carnaval, além de ser festa da carne, era o momento em que a pólis zombava de seus governantes [com a devida autorização] publicamente), micareta, ativismo político, esperança e uma resposta a tal alienação e nilismo latentes de uma geração o qual muitos diziam que não sabia pensar, responde, o tal cantor,  que só colocou a voz no jingle, só isso....tsctsctsc Falcão, que alma mais desarmada a sua!!!!


Com o fluxo cada vez mais intenso de informação e anseio, vejo jovens  disputando o pleito político institucional, forçando as pessoas a pensarem, a tomarem partido, a saírem de cima do muro, questionando a uniformidade do discurso, questionando o distanciamento das demandas oficiais com os sonhos e anseios da população.


Não acredito que no Brasil, realmente queremos o fim do pão e do circo, da copa do mundo e do carnaval, ao contrário, pão com presunto é uma dilicia como diria o chaves e o circo é uma das manifestações mais geniais da arte - ser palhaço não é pra qualquer um!!!!


Mas queremos o diálogo, o respeito, que as responsabilidades sejam assumidas e não somente  o anseio individual hiper estimulado...


Me entristeço em ver uma liderança mítica do naipe de Falcão deixar vir a tona o seu lado mais comum, mais humano, retirar o personagem de nosso imaginário, de nossos sonhos, mas me orgulho em ver um garoto, tão zuado, hostilizado e até odiado por alguns, pedir a camisa 10, a camisa da tradição, a camisa de Zumbi e de Pelé, a camisa de quem resolve e dizer antes do jogo contra o méxico que se  inspira nas ruas para entrar em campo, que quer um país melhor, mais justo e mais honesto para com as pessoas, palmas a Neymar, que atingiu seus sonhos e não foge de suas responsabilidades....

Espero que os Midas não tenham mais o sono tranquilo, que as raposas políticas continuem na espreita pois o Gigante não acordou, isso é jogada midiática, é tag pra boi durmir, vá as ruas, nós sempre estivemos e estaremos lá, mas o grito dessa geração foi por reconhecimento, identidade, diálogo, comunicação, respeito, canal aberto, um grito pra ficar na memória, pra fazer história!!!


Emmanuel 7 Linhas

(Literalmente balançado com o balanço da terceira ponte, e que sejamos pontes - sem pedágio!!!)

P.s.: resolvi publicar esse texto um ano depois da manifestação de junho por influencia da obra de Criolo, tocado pela voz das ruas.




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