sábado, 22 de dezembro de 2018

NOITE DE QUINTA




NOITE DE QUINTA

As ruas provincianas, com seus lares provincianos e suas famílias provincianas da pacata Vila Velha, nas noites de quinta-feira, são por demais silenciosas. Há de se sentir um cheiro esquisito a cada esquina, uma mistura de medo, mistério, beleza e morte por entre as escuras ruas da cidade.
Parto na missão de tomar uma cerveja na baixada. Um pálio maltratado, vidro fumê, farol baixo e andando bem devagar me cruza na encruza. Sigo olhando reto, peço licença ao Senhor dos Caminhos, à noite não se pode sair pra perder.

No bairro vizinho, numa rua bem iluminada, uma bela árvore e suas lindas flores amarelas expõe sua beleza à lua, que está já quase cheia. As bandeirinhas da última copa, bem desbastadas, ainda encontram-se penduradas em seu comprimento. Cruzo a avenida, entro num bar em Jardim Colorado, apelidado mui maldosamente como "Bar da Sapatão". Ela e sua companheira atendem de forma simples, mas honesta, alguns apreciadores de "porcarina" se aportam por esse estabelecimento. Compro um maço de gift, acendo um cigarro e vaso fora dali.

Corto Vila Nova até chegar à praça de Santa Mônica Popular, onde encontra-se um grande campo de grama sintética, a praça é ampla, bem frequentada durante o dia, mas com um estranho e pequeno movimento nesta noite de quinta: "Será que mataram alguém?" - logo penso. Em uma das esquinas da praça está o inusitado "Bar Titanic", que carrega este nome, para além de remeter ao famoso navio, pois tal "homenagem" associa-se a uma característica arquitetônica do prédio onde se encontra: A lateral do bar está literalmente afundando!. Estaciono em uma das mesas, do lado de fora sempre, o garçom é um cara gente boa, interado, a música é boa, rola uma sessão de rock internacional e funk americano dos fins dos 70 / início dos 80. Elogio o som e o garçom me diz que no meio da semana existe essa possibilidade, pois, segundo ele, nos fins de semana é o sertanejo bregão que comanda. Manifestamos o acordo de que a trilha sonora de quinta é uma tortura chinesa a menos, fico pensando nos pobres vendedores de lojas de eletrodomésticos, deveriam receber insalubridade.

Virando a esquina, meu parceiro Tiaguim com sua bike velha, o interpelo, e ele me diz que estava indo pra casa. O convido a sentar e dividir uma breja, meu plano de beber sozinho foi quebrado, ele aceita, encosta a bike e senta. Tiaguim é um cara bacana, sempre pra cima, um bom músico que se sustenta com seu artesanato nas praças e feiras - nada mais capixaba!. A base do seu artesanato consiste em uma bicicletinha feita com cabos reciclados, bastante apreciada pelos turistas e frequentadores dos espaços em geral, além de ser um bonito porta-retratos. Geralmente quando vou expor meu acervo de livros usados na praça de Gaivotas Tiago está por lá, aliás é um ponto que ele conquistou na marra, já há algum tempo. Nem sempre você é muito querido trabalhando nas ruas, principalmente em se tratando de dois, pretos como nós.

A conversa vai se dando por trivialidades do dia-a-dia, Tiago me conta que expôs nesta quinta na Praia da Costa, o calçadão dos bacanas da cidade e onde o povo em geral vai dar um rolê maneiro com a família nas noites do verão canela verde. O movimento estava fraco, ele diz, e conta também que na quarta teria sido melhor, parece que por causa da nobre visita do papai noel - "tradição esquisita essa nossa" - eu penso. 

Logo na sequência, como todo bar de perifa, as mesas começam a dialogar entre si. Um maluco com uma cara esquisita, senta bem próximo a nós, tem cara de cana: novo, camisa pólo, calça. Acho esquisito. Depois interagindo descubro que na verdade é o contrário: É bandido. Inevitavelmente a conversa vai parar em política. O maluco esquisito é Bolsonaro, eu sou eu, Tiago não é de se aprofundar, mas sua tendência é de esquerda, o garçom bem antenado não é de fazer concessões, é perspicaz e bem informado. No decorrer da discussão, lá da ponta direita, em uma mesa com duas loiras sentadas tomando uma breja, uma delas grita, aliás a mais gata: "Eu adoraria ir pra Cuba!". Eu penso: "Ufa, minha noite está salva!". 

A conversa segue animada, agora eu diria ainda mais. O bolsominion se cala, percebeu que além de desinformado é minoria. Fora do campo virtual eles costumam abaixar a bola já no terceiro corte. A mina é bacana, gente boa, rua e filiada ao PC do B, eu quase me apaixono. Sua amiga é um pouco mais velha, pela casa dos 40, porém também bonita e gente boa, já de cara nos informa que é lésbica. Vou ao banheiro, aliás a mijada mais arriscada da minha vida, vai que essa porra desaba? Quando retorno as loiras convidam a mim, a Tiago e a um outro parceiro que tinha colado ali com a gente para juntarmos as mesas. Elas são realmente bacanas, butequeiras, a conversa fica cruzada, a loira mais gata diz que não é feminista, pergunto sobre Manuela D'Ávila, ela diz que a admira muito e começa a elogiar vários aspectos da personalidade e da luta política de Manuela, de como ela concilia bem sua luta com a maternidade, o que para mim me soa bastante feminista da parte dela. Passo a interagir mais com a lésbica, a loira gata comunista fala bastante, em alguns momentos um pouco autoritária, nada grave, dou um corte de leve. O dono do bar resolve nos expulsar e resolvemos caçar outro buteco. Os malucos da mesa ao lado, que tentavam também interagir com as loiras, porém mais na conversa fiada com vistas à maldade, se levantam e resolvem ir com a gente. Eles estão de carro, convidam as loiras, elas resolvem ir a pé com a gente, ganharam meu respeito. Mas no caminho pro bar uma cena meio louca por parte delas: As minas ao começar a caminhar com a gente passam a xingar de longe o bolsominion. Parece que o cara tentou roubar o celular de uma delas, porém ela conseguiu recuperar o aparelho que tinha esquecido no carro dele quando saíram com amigos em comum. Tiago vai à frente de bike pra ver se um determinado buteco está aberto, o parceiro que está com a gente fica aguardando com a loira, eu e sua amiga lésbica andamos em direção a Tiago - começo a perceber que a lésbica não é tão lésbica assim. Bar fechado, a gente segue para o famoso "Bar Escritório", indicação da loira gata mais nova.
No caminho, vejam só que maravilha, uma dor de barriga filha da puta desata de uma hora pra outra e a porra do bar tá muito distante. Dou um quebra de asa na galera e encontro um terreno baldio com uma bananeira, estou salvo!

Chegando no bar, vou ao banheiro lavar as mãos e na volta percebo que apesar das minas serem maneiras, já tinha gasto uma grana boa no titanic e a cerveja no escritório não é muito barata não. Enquanto no Titanic o litrão de brahma é 8,50 no escritório uma verdinha é 12 conto 600 ml, bar de playba, e aliás só tinha playba no bar, de vez em quando alguns marombeiros resolvem se beijar por lá. Tiaguim deu um migué e saiu fora, nem deu idéia as loiras, pediu pra eu deixar um abraço. Eu apesar da conversa bacana das minas, não tava a fim de sentar no bar dos playba com os parceiros que foram de carro, que estavam é na fissura pra cima das minas. E eu ali com grana curta no meio do rolê com essa galera, pois como diz Mestre Eduardão, malandragem fonsequiana da Mesquita Neto no Santão: "Homem duro fede e reza pra chover!!". Declaro as minas a minha falência, elas pedem que eu fique, sugerem segurar a bronca: "Um dia é você no outro sou eu" - mal sabem elas que todo dia sou sempre eu. Eu também não estava na vibe de entrar nessa bola dividida, agradeço e meto o pé na caminhada fresca pela madrugada.

Mas não saio com o rabo entre as pernas não, a loira gata me deu seu número, pediu pra eu ligar pra marcarmos outro rolê. Fora também que pelo início da conversa no bar lá atrás os caras vão ficar é no zero a zero, as minas são firmeza, o caô ali tem que ser forte. Será que é meu número?

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